quarta-feira, maio 11, 2005

Maio de 68



"L'agresseur n'est pas celui qui se révolte mais celui qui réprime"

(do blog 'pantanero')


Nostalgia de Maio

Mais uma vez se recorda e celebra em Maio aquele Maio de 68. (...) Os olhos brilham, o pensamento voa e as palavras ganham novo vigor, sim, porque naquele Maio houve ideais, houve a ilusão de um mundo novo. Como não vibrar com aquele realismo estudantil a exigir o impossível?

É esse Maio jovem, rebelde, esse Maio mítico de todas as loucuras, que com tremenda nostalgia recordamos (...). Num tempo dos pequenos egoísmos, de cada um por si – que a vida não está para loucuras! –, em que os estudantes estudam, os trabalhadores trabalham, os governantes governam ou pedem que os deixem governar, celebra-se um tempo em que não foi assim. Como não recordar o Maio da revolução, de entrega pessoal, de todos os empenhamentos, numa época em que ninguém se está para chatear, em que as listas às associações de estudantes são únicas, em que, na grande maioria dos casos, o empenhamento político é nulo ou se limita ao interesse por uma carreira?

As narrativas épicas de 68, Maio, Paris, as contestações estudantis em Coimbra e Lisboa, sobre "aqueles tempos em que era", são atiradas à face desta juventude de agora, da "geração rasca" de um tempo em que nada é. Só que os trinta anos que passaram sobre esse Maio são os mesmos trinta anos que passaram pelos estudantes universitários de então, agora cinquentões instalados e acomodados na vida de empresários de sucesso, de médicos com clínica e de turbo-professores. Os rebeldes de 68 adaptaram-se bem ao realismo do possível.

"Maio morreu, como morrem todas as estações" escrevia já em 1970 António José Saraiva no seu livro Maio e a Crise da Civilização Burguesa, o melhor documento que em Portugal ficou do Maio de 68. (...) Mas o sonho da transformação do mundo, apesar de ser hoje pouco sonhado, não morreu. Como as estações voltará.

António José Saraiva viu no Maio de 68 que a transformação do mundo não é de ordem social ou económica, mas sim de ordem espiritual e cultural. Escreve ele: "Só por outra via se pode esperar uma transformação da civilização e da vida. Só de uma semente nova que os sindicatos, os partidos, as instituições, as ideologias conhecidas, não conhecem. Ela germina na arte, nas formas profundas, intersubjectivas, não racionalizadas das relações entre as pessoas. Não nos traz um melhoramento, um acréscimo, um progresso em relação ao que está, mas outra coisa que ignoramos, ou de que nos tínhamos esquecido. … A semente de que falo é a subjectividade que ficou à margem do Progresso, mas que aflora na história de maneira incompreensível para os historiadores burgueses. É dela que nascem experiências místicas de várias religiões; aventuras absurdas do ponto de vista burguês, como a de Francisco de Assis ou a de Ghandi; revoltas como a de Tolstoi. É por ela que se explica, por exemplo, no seio do Império Romano, a expansão irresistível do Cristianismo primitivo – o que se situava, por princípio, à margem de toda a problemática política, social e científica." (pp. 42 e 43)


António Fidalgo

in 'As barbas de um ministro'

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