Sobre Álvaro Cunhal, nos seus aspectos positivos e negativos, e tudo o que de bom e mau fez, como qualquer pessoa, já tudo foi dito, escrito e relembrado. Só a distância temporal é que ajudará a revelar mais pormenores deste homem misterioso, asceta, de vivência quase clandestina, mas que na sua morte e funeral teve uma impressionante manifestação de pesar de milhares de militantes, simpatizantes e até, eventualmente, de homens e mulheres que nunca partilharam os seus ideais e aspirações.
E tanto mais espantosa é esta idolatria quanto Cunhal era o oposto dessa veneração, e nisso não acompanhou, nunca, a simbologia e o ritualismo dos mais ferozes países comunistas, onde os líderes eram venerados como deuses.
Em qualquer entrevista, Cunhal nunca respondia na primeira pessoa - era sempre no colectivo - e nunca em nenhuma campanha eleitoral a sua cara e fotografia era usada em cartazes. Nisto, reconheça- -se, Cunhal era contido, envergonhado e discreto. Quem não recorda as imagens dos desfiles na URSS, com as imensas fotografias e líderes de então, com especial fanatismo e fervor no tempo de Estaline? Ainda hoje isso acontece em Cuba, na Coreia no Norte, na China e em alguns países de partido único.
Na sua discrição e completa ausência de vida pública conhecida, Cunhal, pelas suas característiscas pessoais, cultivou sempre o secretismo em redor de si e dos seus, e ainda hoje, com toda a franqueza, poucos sabiam onde morava ou outros pormenores vulgares da sua vida como cidadão. Era nesse lado enigmático que muito do seu reconhecido charme residia, e encantava, segundo diz quem com ele lidava mais de perto.
Por tudo isto, não deixam de ser impressionantes a manifestação a que Lisboa e o País, através da TV, rádios e jornais, assistiram no seu cortejo fúnebre e a forma como o percurso teve cenas emocionantes genuínas.
Poucos, na verdade, motivarão essas manifestações na última hora, e isso percebe-se.
A pequena e grande História nacional faz-se destes homens, odiados e amados por milhares, e que marcaram períodos únicos da Nação.
Luís Delgado
(DN online)
sábado, junho 18, 2005
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