Contestação ao Nobel de Egas Moniz nos EUA
Fundação Nobel diz não às exigências de alguns familiares de lobotomizados
Setenta anos depois de o primeiro Prémio Nobel português ter iniciado as suas investigações sobre psicocirurgia, reacende-se o debate sobre a prática da lobotomia. Familiares de pacientes que foram submetidos a lobotomias querem que o Nobel atribuído a Egas Moniz seja revogado. A fundação que atribui o prémio mais prestigiado do mundo já garantiu que isso "é impossível".
Para o neurologista e investigador português Alexandre Castro Caldas, que nos últimos 25 anos dirigiu o Centro de Estudos Egas Moniz, no Hospital de Santa Maria, a reivindicação desse grupo de familiares revela "uma grande ignorância científica". E explica "O prémio Nobel foi-lhe atribuído por um trabalho que abriu portas a um desenvolvimento científico e não pela prática clínica. Nos anos 30, a leucotomia representou um progresso enorme no conhecimento de funções cerebrais. Foi aí que se estabeleceu pela primeira vez uma relação directa entre a doença mental e a estrutura cerebral".
Egas Moniz começou a praticar a leucotomia pré-frontal em 1936, em Lisboa, em pacientes com problemas psiquiátricos graves. A operação consistia em realizar incisões em fibras nervosas que ligam o lobo frontal a outras regiões do cérebro e era praticada através de orifícios feitos no crânio.
Pioneiro da angiografia cerebral, e internacionalmente respeitado por isso, Egas Moniz participara em 1935 no II Congresso Internacional de Neurologia, em Londres, onde foram apresentados os trabalhos de James Watts e Carlyle Jacobson, da Universidade de Yale, sobre os resultados da destruição em laboratório dos lobos frontais de chimpanzés. A capacidade de aprendizagem dos animais ficava substancialmente reduzida e os seus estados emocionais alterados. Isso levou Egas Moniz a perguntar se a remoção do lobo frontal poderia evitar o desenvolvimento de neuroses experimentais em animais, eliminando os sintomas de frustração. "Não será viável diminuir os estados de ansiedade no homem por meios cirúrgicos?", questionou o neurologista português. A resposta de Watts de que isso seria "um passo formidável", levou-o a iniciar os estudos que conduziriam à leucotomia, assim que regressou a Lisboa. Em 1949 recebia o Nobel.
Ao saber das experiências realizadas em Portugal, o médico americano Walter Freeman apressou--se a divulgar o método nos Estados Unidos. A leucotomia, que foi depois designada por lobotomia, tornou-se ali muito popular e nos 40 anos seguintes foram feitas umas 50 mil lobotomias nos EUA.
Freeman fazia-as onde calhava. Primeiro no seu escritório, depois numa carrinha transformada, na qual percorria o país, o "lobotomobile". Watts, que inicialmente fez parelha com Freeman, afastou-se por não concordar com a rudeza dos instrumentos usados por aquele para fazer as aberturas nos crânios, por vezes com picões de gelo e maletes de borracha comprados na loja da esquina.
Em 10% das cirurgias os pacientes mostraram melhoras. Mas nos outros 90% os resultados foram mais ou menos desastrosos. Familiares de alguns desses casos de insucesso querem agora o que consideram ser a reposição da justiça. Como é tarde para compensações financeiras ou outras, lançaram um movimento para que seja retirado o Nobel a Egas Moniz.
Iniciado por Christine Johnson, cuja avó, Behula Jones, foi lobotomizada em 1954 e passou o resto da vida internada em estabelecimentos psiquiátricos, até morrer, em 1989, o movimento para tirar o prestigiado galardão a Egas Moniz ganho terreno.
Michael Sohl, o director-executivo da Fundação Nobel, já descartou completamente, no entanto, essa hipótese. "Não há qualquer possibilidade de o fazermos", garantiu publicamente. E sublinhou não se recordar de nenhum outro Nobel da Medicina que tenha sido contestado.
A Carta Nobel, por outro lado, não contém nenhuma cláusula que preveja a revogação de um prémio e a fundação ignora habitualmente as críticas, como aconteceu quando foi atribuído a Yasser Arafat o Nobel da Paz.
Depois disso, o movimento liderado por Johnson tentou que fosse retirado do site da Fundação Nobel o artigo em que Bengt Jansson faz o elogio do cientista português, e no qual explica que o português "iniciou e conseguiu entusiasmo para a importância da leucotomia pré-frontal no tratamento de algumas psicoses". Para concluir "De facto, não tenho dúvidas de que Moniz mereceu o Prémio Nobel".
Mas também a essa pretensão do grupo de familiares a fundação já respondeu com um rotundo não. Perante esta nova recusa, Johnson quer agora obter a adesão de outros galardoados com o Nobel à sua campanha. Aparentemente sem qualquer sucesso, também.
"A aplicação errada da técnica desenvolvida por Egas Moniz não lhe pode ser imputada", sublinha, por seu lado, Castro Caldas.
De outra maneira - ironia das ironias - Alfred Nobel, que por testamento deixou ao mundo o prémio com o seu nome, sairia beliscado pela sua própria invenção da dinamite.
Enquanto neurologista, Egas Moniz escreveu diversos livros , destacando-se Diagnóstico dos tumores cerebrais (1931), Angiografia cerebral (1934), Leucotomia prefrontal (1937) e Ao lado da Medicina (1940). Egas Moniz recebeu diversas condecorações. Faleceu seis anos depois de ter recebido o Nobel,a 13 de Dezembro de 1955.
(DN online)
(angiografia cerebral - foto do 'Barnabé')
quinta-feira, julho 21, 2005
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