O arrastão que ninguém viu foi desmentido sem ninguém ouvir?
O arrastão nunca existiu? Um mês após os acontecimentos de 10 de Junho, na praia de Carcavelos, os actores que intervieram na mediatização da mensagem estão de acordo. Como explicar, então, que o País tenha estado em choque durante vários dias? Como se construiu a ilusão?
O caso regressou à actualidade através de uma entrevista do comandante da PSP de Lisboa a Diana Andringa, divulgada no sábado pelo Expresso. O comandante Oliveira Pereira afirmava que a polícia fora "pressionada" para falar num arrastão e assumia que a PSP errou ao falar em 400 a 500 pessoas, num primeiro comunicado emitido a 10. Mas adiantou ter corrigido o teor desse comunicado no mesmo dia, na TVI, e três dias mais tarde, no Jornal da Noite (SIC). Contactado ontem pelo DN, o mesmo responsável não quis falar, dado o impacto da publicação das suas declarações anteriores no semanário e na página da Internet do Bloco de Esquerda, através de um link.
A primeira notícia, da agência Lusa, chegou às redacções às 16.10. Incluía declarações atribuídas ao comandante Gonçalves Pereira, da PSP de Cascais, de acordo com o qual "500 adultos e jovens constituídos em gangs entraram hoje às 15.00 na praia de Carcavelos (...) e começaram a assaltar e a agredir os banhistas". A Lusa soube dos acontecimentos através de um jornalista, acidentalmente no local, que constatou o movimento anormal de ambulâncias e polícias.
A referência a "centenas de jovens" foi decisiva para a mobilização dos media. Um comunicado da PSP, enviado às 21.00, fala em arrastão. A polícia considera que esses comunicados foram um erro, segundo disse fonte policial ao DN. "A polícia não está presente quando o crime acontece", acrescentou a mesma fonte. A PSP contactou vários especialistas, nomeadamente dois jornalistas. Mas afirma não ter sido a primeira a falar em arrastão. Um termo que a Agência Lusa não usou nesse dia, mas apenas "quando a expressão entrou na gíria", disse fonte da agência a este jornal. Afinal, onde nasceu a palavra arrastão?
O termo entrou no discurso mediático apoiado nas fotografias obtidas pelo dono de um restaurante da praia. António Capucho, presidente da Câmara de Cascais, critica "o que as televisões fizeram naquele dia". E nega ter alguma vez falado em "centenas de marginais", uma expressão que lhe foi atribuída, no próprio dia, pela Lusa. "Conheço esta situação há anos", disse o autarca, para quem a ausência, este ano, do Corpo de Intervenção da PSP nas praias da Linha é a causa do problema.
Alcides Vieira, director de informação da SIC, afirma que a sua estação desmontou os acontecimentos na segunda-feira seguinte, num noticiário onde esteve o comandante Oliveira Pereira. "Investigámos o assunto e verificámos que só havia duas queixas, o que não fazia sentido, perante a hipótese do arrastão. Também não se compreendia como é que 400 ou 500 pessoas tinham chegado à praia sem serem detectadas. E ouvimos testemunhas que punham em causa o arrastão". O jornalista considerou "um erro" que essa palavra tenha sido usada nos oráculos dos noticiários da SIC para identificar o acontecimento.
O jornalista Nuno Guedes, de A Capital, foi para o terreno e regressou ao jornal no mesmo dia com o título que fez manchete O arrastão nunca existiu. "Pensava que tinha havido uma acção organizada por causa do 10 de Junho. Entrevistei dois dos quatro detidos, falei com pessoas na praia e vi que tinha acontecido uma grande confusão, mas não um arrastão", disse. "Um dos detidos era branco e eles pediram licença à família para falar comigo", acrescentou.
Diana Andringa e a sua equipa movimentaram-se no mesmo sentido, coligindo imagens das televisões, nas quais as comparações com os arrastões do Brasil dominavam os noticiários.
O extraordinário é a noção de que o arrastão existiu ter-se instalado no senso comum, mesmo depois de a PSP ter começado a falar apenas em 40 a 50 pessoas que causaram problemas. Isso aconteceu na TVI, no dia 10, na SIC, no dia 13, e também num comunicado oficial da PSP, divulgado no dia 17 pela Agência Lusa. Fonte policial disse ao DN não ter dúvidas de que a confusão captada na fotografia que ilustra esta página aconteceu "já depois de a polícia ter chegado".
Se houve precipitação dos media ao falarem em arrastão, também parece haver precipitação na notícia do desmentido do arrastão. Se a própria PSP negou a primeira versão dos incidentes que divulgou, como é possível que o desmentido tenha sido arrastado para o silêncio?
(DN online)
PERGUNTA-SE: A QUEM PODERIA INTERESSAR ESTA CONFUSÃO? PURA COINCIDÊNCIA A 'JUSTIFICAR' A MANIFESTAÇÃO NEONAZI DO MARTIM MONIZ?
(Ian Berry)
terça-feira, julho 12, 2005
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