sábado, junho 18, 2005

Fotos da Magnum na Cova da Moura

Fotos da Magnum na Cova da Moura

Bairro exibe projecto 'Nós Kasa', de Susan Meiselas. Exposição da agência será no CCB

A fotógrafa norte-americana fez 'Polaroids' com gente do bairro, em troca da sua hospitalidade. As ampliações estão agora pelas ruas

Com nove netos e tanta roupa para lavar, dona Domingas ainda não tinha percebido bem qual a melhor altura para pendurar na corda o seu retrato com o marido, Aguinaldo. Ontem estava em casa, talvez a tratar do almoço ou das linguiças e torresmos que vai vendendo para ajudar às despesas, quando ouviu o pedido de Susan Meiselas e compreendeu finalmente que a ideia é mostrar o bairro tal como é. Amanhã, quando o Presidente da República for à Cova da Moura inaugurar Nós Kasa, esta será uma das 30 imagens que poderá ver pelas ruas. Depois de 17 de Julho, quando acabar a exposição, dona Domingas vai "arranjar um quadro e ficar com ele para toda a vida". Porque "a gente morre e a fotografia fica. É uma recordação".

Para a fotógrafa norte-americana da Magnum - convidada, tal como Josef Koudelka e Miguel Rio Branco, a fotografar o Portugal de agora para actualizar um arquivo que só chegava aos anos 90 e integrar essas imagens em Espelho Meu, a grande exposição da agência a inaugurar, dia 30, no CCB -, o País (que conhecia pela relação com Moçambique, onde teve uma "experiência muito forte" nos anos 80), era sinónimo de "campo aberto para fazer uma história".

A Magnum fez uma breve pesquisa e o tema das ex-colónias e da imigração na Europa começou a ganhar forma. Em Novembro de 2004, após deambular por Alfama e Martim Moniz com Ivo Cordeiro, seu assistente neste projecto, Susan Meiselas foi parar a um dos bairros da Amadora que só tem sido notícia pelas piores razões. Atraída por uma brochura de "Turismo na Cova da Moura".

O primeiro pensamento foi "não sei se será boa ideia", confessou ontem aos jornalistas e aos responsáveis do CCB, durante a visita a Nós Kasa. Mas desfez as dúvidas quando viu que o terreno a pisar seria mais seguro graças ao apoio da Associação Cultural Moinho da Juventude, um viveiro de boas ideias e acções criado e dinamizado por Lieve Meersschaert, a psicóloga belga ali radicada desde 1978.

Vencidas as primeiras desconfianças mútuas e percebido que, "em certas esquinas, queremos conhecer o rapaz certo", Susan Meiselas deu início ao trabalho. A pensar no CCB, onde as suas fotos vão partilhar as galerias com as de Cartier-Bresson, Inge Morath, Gilles Peress, Guy Le Querrec ou Martin Parr, captadas em Portugal desde os anos 50 anos (o arquivo da Magnum tem cerca de mil registos, mas poucos foram publicados).

Um dia, um rapaz desafiou-a. "Tira-me uma foto". Ela fez-lhe a vontade. Ele, que nunca tinha visto uma Polaroid, ficou fascinado. E ela começou a fazer o mesmo com outros habitantes do bairro, assinando e datando as provas únicas desses "momentos de troca".

"Para mim, a fotografia é uma desculpa para estarmos onde não pertencemos", considera a fotógrafa que vive em Little Italy (Nova Iorque). A meio das três semanas passadas na Cova da Moura, sentiu que deveria retribuir a hospitalidade. Com patrocínio do BES (que promove Espelho Meu, mostra comissariada por Alexandra Fonseca e Andrea Holzherr), assim nasceu Nós Kasa.

Ampliados e impressos em telas plásticas, os sorrisos de pose estendem-se agora pelas ruas, já engalanadas a preceito, com recortes de panfletos publicitários, para a festa de Kola San Jon. Num emaranhado de ladeiras alcatroadas encontram-se as casas erguidas a custo e os rostos que as habitam. Vânia e Vanessa. Dona Idalina, "mãe de todos os que têm situação difícil". A pequena Cátia. Dona Glória, que o sr. Monteiro "prendeu" com uma moldura improvisada de madeira por causa do vento. Ana, a loira de cabelos compridos. Graça e Manuel, à porta do bar onde assam sardinhas. Maria e o mural do jogo da bisca no café ao lado. Basta seguir os graffiti. Ou marcar uma visita guiada pelo telefone 21 4971070.

O projecto de Susan Meiselas incluía ainda um workshop de fotografia, que a ajudou a cimentar relações e conhecer a realidade problemática daquela colina, ocupada por sete mil pessoas, 75% das quais oriundas de Cabo Verde. Metade com menos de 20 anos e muitas delas analfabetas. Com o apoio da Canon e da Embaixada de Portugal em Washington, chegaram ao bairro uma impressora e oito câmaras, agora nas mãos de 15 jovens que descobrem o "poder" da objectiva. A partir de amanhã, as suas fotos vão estar nas cordas em redor do Moinho Velho. E talvez Santinho, um dos que posou para Susan Meiselas, tenha conseguido um bom ângulo dos muitos jornalistas que ontem andavam de nariz no ar à porta de sua casa.

(DN online)

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