A OTA E O RAMALZINHO
Sou dos que consideram precipitado o projecto do novo aeroporto da OTA porque ainda ninguém me convenceu da bondade da decisão. A entrevista que o ministro das Obras Públicas deu ontem ao Expresso, um amontoado de lugares-comuns, revela o grau de leviandade da coisa. Perguntado sobre a ligação do futuro aeroporto a Lisboa, Mário Lino respondeu: «A linha do Norte está quadruplicada até Alverca. Há que prolongá-la até ao nó de Vila Franca de Xira — que já está nos planos, não é feito agora por causa da OTA — e depois é fazer um ramalzinho de poucos quilómetros para ir para lá. Fica uma linha dedicada com um vaivém de quinze em quinze minutos, vai para lá e vem para cá, não tem problema nenhum. E existe a A1, a A8, o IC21...» Portanto, um ramalzinho. A gente lê e pasma. Afinal, nos três mil milhões de euros previstos para o novo complexo aeroportuário, dos quais 650 milhões só para estudos de engenharia, expropriações e preparação de terrenos, não está incluído o custo de uma nova e indispensável auto-estrada, ficando a ligação ferroviária por conta do tal ramalzinho para Vila Franca de Xira. Só por anedota. O ministro tem um currículo heterodoxo: depois da licenciatura no Instituto Superior Técnico, foi para a Universidade do Colorado (USA), aí obtendo o grau de mestre em Hidrologia e Recursos Hídricos; foi presidente do conselho de administração das editoras Caminho e Avante; leccionou engenharia sanitária na Universidade Eduardo Mondlane (Maputo) e, até 2002, ocupou o cargo de presidente do grupo Águas de Portugal. Sem esgotar a folha de serviços, técnicos e políticos, isto dá a medida da versatilidade. Nada contra. Entendo que um ministro é um decisor político, responsável por um gabinete que se presume tecnicamente qualificado, interagindo directamente com os directores-gerais do «seu» ministério. Ninguém exige dele que domine o vasto mundo da aviação comercial. Porém, tendo a obrigação de defender politicamente essa opção, terá de fazê-lo com argumentos técnicos irrefutáveis. Quando vemos que considera exequível ligar Lisboa ao novo aeroporto através das actuais ligações rodoviárias, percebemos até que ponto está desfasado da realidade. Ir pela A1 ou pela A8...? Eu não sei como vai ser em 2015, mas sei que já hoje, entre Lisboa e o Carregado, extensa área que abrange Alverca e Vila Franca de Xira, a A1 tem uma densidade de tráfego próxima da saturação. Certo, estas coisas não se vêem lá de cima (do gabinete e do avião), mas, se Mário Lino não vê, os seus assessores têm de ver. A simples ideia de um ramalzinho para o tal vaivém entre o aeroporto e Vila Franca de Xira, com o ser esdrúxula, suscita um problema: uma vez «despejados», os passageiros fazem o quê? Esperam pelo comboio que vem do Porto? Não é preciso ser especialista para perceber que «a OTA», já hoje, mas daqui a dez anos por maioria de razão, obriga a uma nova auto-estrada (com um valor de portagem que seja dissuasor da sua eventual utilização como itinerário alternativo), e um ramal ferroviário directo, não obrigatoriamente TGV, mas necessariamente de alta velocidade. É preciso saber se os três mil milhões de euros vão ser enterrados no meio de nenhures, ou se «a OTA» vai ser, de facto, o aeroporto «de Lisboa». Mais depressa o aeroporto de Badajoz, em ritmo acelerado de expansão, servirá de placa giratória... Todos sabemos que a discussão em torno da OTA começou nos anos 1960, tendo sido considerada «estabilizada» em 1973. O dossiê ficou em stand by por causa do 25 de Abril, até que Guterres o colocou de novo em agenda. Desaparecido Guterres, o PSD e Durão Barroso caucionaram (com ligeira dilação de prazo) o projecto, Santana idem, e agora outra vez o PS, por decisão de Sócrates, com nova prorrogação. Consenso alargado, portanto. A esse respeito, o discurso farisaico do PPD-PSD e do CDS-PP é um triste sintoma dos nossos hábitos políticos. Uma coisa é exigir a divulgação dos estudos de oportunidade, viabilização e eficácia, porque obras de tal monta não se fazem à revelia da sociedade, outra bem diferente bancar a virgem surpreendida com o elefante branco. Construir um grande aeroporto internacional, ou, nas palavras do ministro, «uma plataforma de grande mobilidade», implica cativar investimento privado para actividades económicas associadas a tais estruturas: hotéis (a Portela prescinde deles porque há oferta variada e de qualidade a 10 minutos de carro); agências de viagem e rent-a-car; comércio de todo o tipo, com e sem taxas; cafés, bares e restaurantes; health clubs; táxis de gama alta; autocarros rápidos; terminal rodoviário; «aldeia» para equipas de turno; uma clínica bem equipada (a Portela nem de uma farmácia dispõe...), capela para serviços religiosos; etc. O que é que vai ser feito para colocar «a OTA» na rota das companhias de longo curso? E com que argumentos? É que a partir da Portela não é possível fazer voos directos para inúmeros destinos: Japão, China, Hong Kong, Havaí, Nova-Zelândia, Austrália, Tailândia, Indonésia, Índia, Paquistão, Turquia, Egipto, Quénia, Madagáscar, Grécia, Finlândia, México, Chile, Argentina, Canárias, Gibraltar, Mónaco, Córsega, Sicília, Malta, etc. (estou a falar de voos regulares; os charters de Verão não contam). A única cidade dos Estados Unidos com voo directo a partir da Portela é Nova Iorque. As conexões para Chicago, São Francisco, L.A., Miami, etc., são feitas a partir de NY. Para o resto do mundo vai-se forçosamente através de Londres, Frankfurt, Amesterdão, Paris, Madrid e, quem diria?, Palma de Maiorca. A Portela é um anacronismo. Deve atingir este ano os 11 milhões de passageiros, plafond irrelevante em termos europeus, se pensarmos que Málaga, que tem uma área metropolitana equivalente à do Porto, atingiu 15 milhões o ano passado. Madrid vai nos 40 milhões. A Portela, nas actuais condições, aguenta mais três ou quatro anos. Para aguentar mais dez necessita de 450 milhões de euros de investimento. Nunca deixará de ser um aeroporto paroquial: porque está entalado na cidade, porque a procura é residual. A defesa de um novo aeroporto, um aeroporto a sério, é sedutora. Resta saber em que termos. Por exemplo, não vale agitar o espantalho dos novos Airbus A380, com capacidade para mais de 600 passageiros, os quais, pela logística inerente à sua envergadura, e óbvias razões de mercado, vão, a partir de 2006, servir quatro, e para já apenas quatro, cidades europeias: Londres (Heathrow), Amesterdão (Schiphol), Paris (Charles de Gaulle) e Frankfurt, embora a cidade alemã esteja dependente de uma pista adicional cuja construção foi embargada pelos tribunais. Ou seja, aeroportos com tráfego anual superior a 100 milhões de passageiros. Madrid quer entrar no lote com o argumento dos fluxos para a América latina, mas se calhar quem leva a palma é Palma de Maiorca, cujo volume de tráfego é superior ao de Paris. Isto para dizer que o argumento do A380 não colhe. É preciso divulgar estas coisas para percebermos do que falamos quando falamos de «uma plataforma de grande mobilidade». Era bom que os especialistas viessem explicar. Quando o governo diz que o Estado «apenas» comparticipa com 30% dos custos, está a dizer o quê? São 30% de três mil milhões de euros? Nesse caso, seriam 900 milhões de euros. Mas não deve ser exactamente assim, pois só para estudos de engenharia, expropriações e preparação de terrenos, são necessários 650 milhões de euros. E os privados não vão estudar e preparar terrenos, nem fazer expropriações. Os privados, na melhor das hipóteses, vão contruir, e depois gerir a estrutura aeroportuária e actividades correlatas. Portanto, é de prever que os 30% do Estado sejam sobre os 2,350 mil milhões de euros remanescentes, o que dá a módica quantia de 705 milhões de euros. Assim sendo, a factura final corresponderia a 1,605 mil milhões de euros: 650+705 milhões de euros. Isto, claro, mantendo as actuais acessibilidades (sonho de uma noite de Verão). O facto, é que ainda ninguém contabilizou o custo de uma nova auto-estrada e de um ramal ferroviário directo. Para quê? Um ramalzinho não é mesmo uma graça?
posted by Eduardo Pitta em 'da literatura'
segunda-feira, julho 25, 2005
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