domingo, julho 03, 2005

Termómetro da homofobia

Na semana em que se celebrou o Dia do Orgulho Gay e Lésbico, a associação portuguesa de combate à homofobia Panteras Rosa quis pôr à prova a homofobia dos lisboetas. Um casal homossexual percorreu as ruas da capital de mãos dadas, trocando beijos e abraços, numa acção pública intitulada "Termómetro da homofobia lisboeta". O DN acompanhou o teste e apresenta aqui os resultados a que este chegou.


O termómetro da homofobia dispara sempre que dois rapazes dão as mãos em Lisboa "Queres que te diga qual é o macho e qual é a fêmea?" O gesto é condenado por quem passa, que discrimina e esconde a cara. Quem insulta a meia voz diz que o mundo está perdido, mas nega o preconceito. Na semana em que se celebrou o Dia do Orgulho Gay e Lésbico, a associação de combate à homofobia Panteras Rosa de-senvolveu uma acção pública inti-tulada "Termómetro da homofobia lisboeta" para perceber "se, em Portugal, não vivemos todos um bocadinho em Viseu" - cidade onde, recentemente, foram reportadas à polícia queixas de perseguições homofóbicas. O DN esteve à espreita e avança aqui o que ouviu nas suas costas.

As esplanadas portuguesas não são, habitualmente, testemunhas de manifestações de afecto entre homossexuais. Por isso, o teste à homofobia lisboeta começa numa mesa de café da Rua Augusta, centro da capital. Dois homens com ar de rapazes pedem, de mãos dadas, um café e uma água. Um beijo mais tarde, há já mais comentadores de serviço do que transeuntes desinteressados. Entre os turistas estrangeiros que passeiam pela Baixa, a reacção mais persistente é a da indiferença. Um único apontamento, em inglês "Aquele tem umas calças iguais às minhas."

Um aniversário fictício é o pretexto para experimentar as vendedoras de flores da rua. Um dos "actores" pede três rosas vermelhas, que lhe são vendidas com um meio sorriso quase natural. A oferta é feita à frente da banca, selada com um beijo nos lábios e observada pelo canto do olho. Na estação de metropolitano dos Restauradores, a distracção preferida de quem aguarda é olhar o casal homossexual, que não fala alto, não usa roupa colorida nem traz sinais luminosos consigo. Dentro da carruagem, o teste continua e dois adolescentes iniciam um diálogo exemplar. Ela garante que "são mutações genéticas", mas recua depois "Não são nada, estou a brincar, cada um faz o que quer." Ele hesita, e questiona: "E se fosse teu filho?" A jovem conclui com expressão grave: "Isso era diferente."

Alguns lugares à frente, uma jovem mãe brasileira adverte o filho, espantado com o beijo entre dois homens "Meu filho, se você vira desse jeito, te dou um cacete." As rosas na mão de um dos namorados são o elemento cénico que mais impressiona. Um grupo de raparigas que se cruza com eles sorri. Depois do toque no braço e da pergunta obrigatória - "Viste?" -, uma reage: "Bué da queridos!"

No segundo café em que o casal entra, o profissionalismo de um grupo de empregados de mesa não é beliscado durante o atendimento. À saída, no entanto, há comentários como "vejam lá isto, de mãozinha dada" e "assim sobram mais mulheres para nós" - ditos quando os dois rapazes já não os podem ouvir. Em pleno Rossio, um beijo e um abraço provocam as reacções mais audíveis "Paneleiros d'um cabrão! Raio que os parta a todos!"

revelações. Para a Associação Panteras Rosa, era já evidente, antes de começar o teste, que seriam muitas as reacções homofóbicas expressas nas ruas de Lisboa, mas nunca assumidas. O confronto directo dos autores dos insultos com as suas palavras confirmou as expectativas. "É normalíssimo, tenho muitos amigos homossexuais, e aqui na Baixa estou habituado a vê-los, não me faz confusão nenhuma", disse um destes ao DN, negando comentários homofóbicos proferidos uma hora antes.

Deolinda Ramos, de 68 anos, vendedora de flores na Rua Augusta, "não disse nada" quando vendeu o ramo de rosas ao casal homossexual porque "eles compraram, pagaram, e cada um é como cada qual". Diz que "a mulher fez-se para o homem e o homem para a mulher", mas que no seu tempo "já havia, só era tudo mais fechado". Hoje, "eles tratam-se bem, ninguém pode abrir a boca". Não gosta "daqueles mais descarados", mas "alguns são uns senhores". Tem a certeza "Nunca vi isto como está."

Segundo António Antunes, 48 anos, gerente do último estabelecimento comercial onde o teste foi levado a cabo, "os homossexuais são sempre atendidos como pessoas normalíssimas". No entanto, "não se pode mudar a maneira de pensar de cada um dos empregados". É que "há pessoas que gostam de dar nas vistas, de fazer espalhafato". Para este gerente é certo que "não pode haver discriminação e quem trabalha no atendimento pode pensar o que quiser mas não pode manifestar nada".

Para Sérgio Vitorino, da Associação Panteras Rosa e um dos responsáveis pelo "Termómetro da homofobia lisboeta", esta é a atitude mais habitual "Andamos a combater fantasmas, porque a homofobia acontece sempre nas nossas costas, nunca de frente." De acordo com Sérgio Vitorino, "esta discriminação é tão invisível quanto a presença das vivências homossexuais no espaço público". Por isso, "acções como esta devem repetir-se, porque cumprem uma função pedagógica". E "é preciso trazer à luz essa homofobia para confrontar e dar visibilidade


(Todd Gardner)

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