segunda-feira, setembro 05, 2005

ghetos e apartheid

American Apartheid

As imagens que nos chegam de Nova Orleães são esclarecedoras: em 2005, nos EUA, as vítimas do furacão Katrina são, quase só, americanos negros.1. Quando não são negros são, por exemplo, brancos pobres e velhos. Um deles justificava-se perante as câmaras quando questionado sobre os motivos por que não tinha abandonado a cidade: “estamos no fim do mês, tenho só 4 dólares no bolso, não podia pôr suficiente gasolina no carro para escapar até um lugar seguro”. As imagens da fuga da cidade na véspera do furacão ajudam a explicar o que se passou: as auto-estradas estavam engarrafadas com viaturas particulares repletas de pessoas e de bagagem. Ou seja, foi dada ordem de evacuação da cidade mas não foram disponibilizados meios para essa evacuação, pelo que a sua concretização dependeu, sobretudo, dos recursos de que cada um dispunha. Os pobres ficaram e foram apanhados pelo furacão.Quando, em Portugal, se ouvem as vozes arrogantes dos neoliberais nacionais clamando, muitas vezes sem critério, por menos Estado, é bom que nos lembremos do que aconteceu em Nova Orleães em 2005, onde o Estado da mais poderosa nação do mundo se DEMITIU de ajudar os mais fracos a escapar à calamidade: provavelmente porque esta não é já uma tarefa que Bush entenda corresponder às funções centrais do Estado.2. E os que ficaram foram, sobretudo, negros. Não porque fossem negros na mesma proporção os habitantes de Nova Orleães. Mas porque nos EUA os negros estão sobre-representados entre os pobres e entre os que vivem nas áreas degradadas dos centros urbanos, enquanto os brancos se instalam em proporções crescentes nos novos subúrbios. Este padrão de segregação residencial, em termos simultaneamente classistas e raciais, está na origem do título do mais famoso livro de Douglas S. Massey (com Nancy Denton): American Apartheid. Nele se argumenta, através de uma minuciosa análise dos dados censitários, que “a segregação residencial é a característica estrutural da sociedade americana responsável pela perpetuação da pobreza urbana e uma das causas fundamentais da desigualdade racial nos Estados Unidos” (p. viii). Segundo os dados analisados, nas zonas degradadas de Nova Orleães eram negros quase 70% dos seus habitantes.Quando, em Portugal, os sectores multiculturalistas de diversos quadrantes se unem para, irresponsavelmente, defender a requalificação dos guetos da Grande Lisboa em lugar de um realojamento desconcentrado, recomenda-se, com urgência, a leitura do livro de Massey. E, em tempo de eleições autárquicas, importa confrontar os candidatos com os problemas da guetização e os modos de os enfrentar.

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