Canto final da última águia-real no Gerês
Apenas uma ave desta espécie sobrevive no único Parque Nacional
É uma história de profunda solidão. No Parque Nacional da Penada-Gerês (PNPG) só resta uma águia-real. Todos os anos, por altura da época de acasalamento, faz tudo como se fosse chocar os ovos transporta paus, faz o ninho... só não procria. O macho morreu há pouco mais de dois anos e este exemplar tem também o destino traçado. No dia do seu desaparecimento, os responsáveis do único parque nacional português deverão explicar por que razão nada foi feito para preservar tão nobre espécie.
Miguel Dantas da Gama, do Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens (FAPAS) não tem dúvidas. "Estamos perante o desaparecimento de uma espécie emblemática e referencial cujo destino reflecte a evolução do próprio Parque Nacional". Podemos ir um pouco mais longe o abandono a que foi votada a águia-real, que ainda vive na serra da Peneda, ilustra o estado em que se encontra a conservação da natureza em Portugal (hoje comemora-se mais um Dia Mundial da Conservação e Biodiversidade).
Considerada em perigo - é esse o estatuto que lhe é atribuído no Livro Vermelho dos Vertebrados, revisto recentemente - , na área do PNPG a águia-real voa agora para a extinção. O DN tentou obter um comentário a esta situação por parte do director do Parque. Apesar de tentativas insistentes e explicando o que estava em causa, Luís Macedo nunca esteve disponível.
Um projecto, apresentado pelos responsáveis do Parque para tentar salvar a população de águia-real, nunca foi avante. Aparentemente não seria difícil bastaria repovoar a zona com águias juvenis trazidas das arribas do Douro Internacional, área tutelada também pelo Instituto de Conservação da Natureza. Nada foi feito.
Esta medida resolveria dois problemas salvava alguns exemplares, que não conseguiriam sobreviver no local de origem, por escassez de alimento ou por um fenómeno denominado cainismo (o indivíduo, neste caso o irmão mais velho, mata o mais novo) e repovoava-se a Peneda-Gerês - "a jóia da coroa da conservação da natureza", em Portugal noutros tempos.
Miguel Dantas da Gama pode bem dizer que é amigo íntimo da última águia-real do Gerês. Acompanhou o casal de aves de rapina ao longo vinte anos, durante regulares visitas de campo. "Deixei de ver o macho em 2003", mas já antes disso os sinais de perigo para a manutenção da espécie eram evidentes "A águia punha, mas os ovos não desenvolviam".
O membro do Fapas, que tem por hábito passar fins-de-semana embrenhado pelas zonas mais selvagens do Parque, lembra ter avisado várias vezes os técnicos da área protegida para a "existência de ovos abandonados na Peneda". Os exemplares chegaram a ser analisados, sem, no entanto, se ter chegado a resultado conclusivo.
O problema é, contudo, mais vasto. Para o perceber é necessário recuar décadas, ao tempo em que o conceito de conservação era algo quase desconhecido. Nessa altura, sobre a pilhagem de ninhos e o abate de aves a tiro não havia a reprovação e a censura que existem hoje. As águias também foram vítimas do veneno usado contra os lobos, espécie também em perigo.
O dirigente do FAPAS enumera ainda os fogos florestais, a abertura de acessos e a teimosa recusa em encerrar outros como factores que conduziram ao iminente desaparecimento da águia real da Peneda-Gerês. "A tranquilidade é fundamental", refere o ambientalista. Qualquer interferência humana, refere, pode afugentar a ave de rapina. Uma situação que se pode resumir a "falta de ordenamento".
No ano de 1971, o estado de conservação da águia- real já não era tranquilizador. Nesse ano, foi criado o primeiro e até agora único parque nacional português. A situação agravou-se progressivamente no início da década de 90 desapareceu o penúltimo casal de águia-real. Há dois anos a população desta ave de rapina ficou reduzida a um indivíduo. Se se tivesse actuado a tempo teria sido apenas necessário desenvolver medidas de recuperação. "A injecção de juvenis" seria a solução, refere Dantas da Gama. Hoje trata-se, praticamente, de reintroduzir a espécie, o que se torna "muito mais difícil e exigente".
A conservação da águia-real não é caso único. Dantas da Gama aponta o aparecimento pontual da águia perdigueira, provavelmente oriunda da Galiza, bem como a presença de grifos.
Na opinião do ambientalista não seria difícil fixar uma população, desde que fossem criadas condições. Um sonho de difícil concretização os sinais apontam no sentido inverso. O único alimentador, instalado na Portela, "nunca viu uma peça de carne".
(DN online)
(Krista Elrick)
domingo, maio 22, 2005
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