quinta-feira, junho 30, 2005

Espelho meu

Olhares reflectidos:

CCB inaugura hoje 'Espelho Meu'. Com imagens do Portugal existente nos arquivos da magnum e captado agora por três dos seus maiores fotógrafos

Este é agora o Portugal dos imigrantes que Susan Meiselas conheceu no bairro da Cova da Moura, o Portugal onde Miguel Rio Branco procurou as suas raízes familiares, o Portugal das paisagens enigmáticas que Josef Koudelka enquadrou com a sua panorâmica. E este é também o país onde Martin Parr encontrou "nucas fabulosas" e Jean Gaumy fotografou punhos erguidos e um vitorioso beliscão nas bochechas de Mário Soares. O mesmo país onde Thomas Hoepker registou a saudação fascista da Mocidade Portuguesa e Henri Cartier-Bresson retratou um povo triste e temente a Deus. Pela lente de 13 fotógrafos da Magnum, estes reflexos dos últimos 50 anos da nossa História são devolvidos em Espelho Meu, a exposição que o CCB inaugura hoje em Lisboa.

Como disse ontem, na apresentação à imprensa, Andrea Holzherr - que comissaria a exposição com Alexandra Fonseca Pinho -, esta é uma "viagem no tempo" cujo conceito, como sugere o título, joga com o duplo sentido da palavra reflexão. Um desafio feito a partir de "13 pequenos contos sobre Portugal", três dos quais fruto de missões encomendadas para a mostra. A não perder, até 28 de Agosto.

Quando, há quatro anos, Alexandra Fonseca Pinho introduziu a palavra Portugal no motor de busca do site da Magnum, estava longe de imaginar que o computador não lhe poderia mostrar tudo. Havia mais de mil imagens, desde os primeiros trabalhos de Cartier-Bresson e Inge Morath em meados nos anos 50. Entusiasmada com a descoberta e com o interesse manifestado pelos próprios fotógrafos depois de lhes dizer que gostaria de mostrar esses registos a outras pessoas, resolveu propor a organização de uma exposição ao CCB.

Perante um espólio que, como recordou Diane Dufour, directora da Magnum Paris, ultrapassa 1,5 milhões de documentos, foi preciso "escavar nos arquivos" - o que, a par das mudanças na estrutura administrativa e directiva do CCB, atrasou um projecto que entretanto acabou por chegar a bom termo com o apoio mecenático do BES.

"O arquivo era riquíssimo mas, ao virar do século, não havia mais nada", recordou a comissária portuguesa, a propósito do que encontrou na mais lendária e reputada das agências de fotojornalismo, fundada em 1947 por Robert Capa, Henri Cartier-Bresson, David "Chim" Seymour e George Rodger. Assim se justifica o convite feito a Meiselas, Koudelka e Rio Branco.

"Isto só se poderia conseguir com fotógrafos cuja maturidade fosse inquestionável", afirmou Alexandra Pinho, que dessas visões pessoais tentou excluir os clichés de postal ilustrado. "Havia uma certa ideia [do Portugal] das casinhas brancas e das mulheres de negro, e de repente houve certas coisas que os prenderam."

Neste "Portugal visto sob o olhar de outrém", como lhe chamou Delfim Sardo, director do Centro de Exposições do CCB, cruzam-se perspectivas que, na sua diversidade de abordagens temáticas e formais, se completam. Algumas, resultantes de várias viagens.

Organizada em flashback, Espelho Meu dedica os núcleos iniciais aos trabalhos realizados recentemente, incluindo as séries de Martin Parr datadas de 1998-2000 Ooh la la, com as tais nucas que o fascinaram em Braga, e Auto-retratos, homenagem em forma de calendário ou postal colorido às técnicas e recursos dos estúdios fotográficos populares. Não falta sequer o cavalinho de madeira. Seguem-se as calçadas e volumes de cor descobertos por Gueorgui Pinkhassov. E os ciganos fotografados em 1998 por Bruce Gilden.

Com um "salto" de duas décadas pelo meio, o tempo continua a recuar. Surge então o olhar poeticamente desassombrado de Koudelka, numa praia, na planície, na taberna onde a mesa aguarda clientela. Suspendem-se os rostos e corpos tensos que Gilles Peress viu durante o período revolucionário. O contraste, captado por Jean Gaumy, entre o sorriso de Mário Soares e o olhar derrotado de Álvaro Cunhal após as legislativas de 1975. Os plenários e o 1º de Maio de 1974 segundo Guy Le Querrec. Ainda mais atrás, o dia- -a-dia provinciano que Thomas Hoepker observou em Trás-os-Montes durante a ditadura de Salazar. As elegantes personagens citadinas de Bruno Barbey. A Alfama que Inge Morath encontrou em 1956. E as cinco imagens que Cartier-Bresson fixou de um Portugal que já não existe mas continua vivo na memória nacional.

(DN online)

Sem comentários:

Arquivo do blogue