Grau zero
A criação de um clima de confrontação social é o pior caminho para resolver a crise económica e financeira
A onda de contestação não é uma surpresa, 100 dias depois de José Sócrates ter assumido a liderança do governo. O que surpreende é a actual dimensão da contestação social.
A reunião de várias centenas de magistrados, em Coimbra, que ameaçam com uma greve, e a manifestação de dezenas de milhar de funcionários públicos, à porta da sede do PS e da Assembleia da República, são dois casos que impressionam pela violência do discurso e pela capacidade de mobilização.
A reacção governamental, numa lógica de braço-de-ferro, não se fez esperar: Alberto Costa, ministro da Justiça, já fala em outsorcing ; e Maria João Rodrigues, ministra da Educação, abriu uma guerra jurídica com os sindicatos, impondo serviços mínimos para o período de greve dos professores, que coincide com a data dos exames nacionais.
A tentativa de limitar o direito à greve, ainda que encapotada, não resolve nada. Certamente, José Sócrates não vai querer ficar para a história como o primeiro-ministro socialista que deu o primeiro passo para tentar rever um direito inalienável dos trabalhadores.
Se é verdade que as verdadeiras medidas duras ainda estão para vir, como atestam os últimos números das finanças públicas, que revelam uma ligeira subida da despesa pública, então só resta esperar o aumento da onda de contestação.
Face a esta situação previsível, que a partir de Setembro se vai tornar uma evidência ainda maior, o governo socialista, que lidera um Estado falido, está à beira de cair na tentação de optar pelas soluções mais fáceis, apesar de dispor de uma ampla maioria absoluta.
Os estrangulamentos de décadas não se resolvem com medidas avulsas, que chegam a parecer persecutórias, mas com reformas de fundo justas e competentes que os cidadãos possam compreender.
Para fazer face aos desafios da modernização e da competitividade, o país precisa de um governo com autoridade, não precisa de um governo autoritário.
A fragmentação de sectores vitais, o ataque a direitos fundamentais e a destruição de alguns dos principais sectores de actividade não resolvem a grave crise económica e financeira.
No momento em que o cheque dos fundos europeus é incerto e o preço do petróleo continua a subir, só faltava uma espécie de governação com tiques moralistas para agravar ainda mais os problemas estruturais.
Os portugueses já perceberam que o país está doente. Mas José Sócrates tem de compreender que Portugal não quer morrer da cura.
(Rui Costa Pinto - Visaoonline)
quinta-feira, junho 23, 2005
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